quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Os Yanomami e a grande tela branca

     No final da década de noventa voltei ao mundo indigenista pra trabalhar em uma ong  voltada à assistência médica dos Yanomami. Cuidávamos de uma população de cerca de seis mil pessoas, distribuídas em uma região enorme, de difícil acesso e contato. Havia grupos bastante heterogêneos, alguns com boa interação com as equipes de saúde e outros mais problemáticos.

         O posto de saúde do Surucucu era famoso dentre aqueles ditos de maior complexidade. A presença de uma base do exército brasileiro no local ajudou muito no acesso a bens e serviços médicos básicos, porém gerou um batalhão de índios dependentes desta interação. Era quase corriqueiro o roubo de itens da cozinha, desde panelas até toda a comida do mês.

         Na nossa base tentávamos manter a estrutura limpa e bem cuidada, muitas vezes repintando as paredes externas rabiscadas de carvão pelos adolescentes "rebeldes" do local. Era sempre a mesma coisa: pintar em um dia e no outro descobrir que o trabalho fora em vão, pois aquela aberração - uma estrutura enorme, branca,  num mar de selva - amanhecia toda cheia de afrescos.

          Talvez exista um gene pichador desconhecido em cada um de nós e não sabemos. Povos primitivos que pintavam suas cavernas corroboram a minha teoria. Nas grandes cidades alguns fatores epigenéticos parecem dar força a este gene  e ao instinto  da expressão artística, para ódio dos proprietários de muros recém-reformados. Na natureza, uma tela em branco não se encontra todo dia, então a ocasião faz o artista.


       Numa destas tardes vagarosas, quentes como o inferno, alguém teve a brilhante idéia de parar de brigar e oferecer uma cooperação: ofereceríamos as tintas e eles ajudariam a cuidar do nosso elefante branco. Trato feito, encomendamos latas de tinta de cores variadas e esperamos ansiosos pelo dia D.

        Quando enfim chegaram foi uma festa. Jovens e adultos se entregaram à tarefa com afinco durante horas, primeiro pintando as paredes e depois os seus próprios corpos. O resultado foi surpreendente. E nós, atônitos, descobrimos que talento não conhece etnia nem lugar para se manifestar. 
 





























Abraço. E viva Santo Expedito.

2 comentários:

  1. Rapaz, que legal! Estava sentindo falta dos seus posts, ainda mais um especial como este, cheio de vida e fotos.
    A idéia foi perfeita. Os desenhos meio naif, meio sombrios (em alguns casos) dão idéia do mundo dos Yanomami, um mundo bem diferente do que estamos acostumados.
    E vivam as diferenças!
    Abração, Altamiro

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  2. Oi Ike !
    Conheci seu blog por indicação da sua esposa Eliane .
    Virei aqui sempre.
    Tô seguindo !
    Perfeito o post , parabéns !
    Abs

    iaranettomeamarro.blogspot.com

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