domingo, 28 de abril de 2013

Os músicos e o dilema Tostines

Nunca entendi bem as qualidades  necessárias para alguém se tornar músico. Sensibilidade, ouvido, talento, estudo e teimosia  - ou tudo junto -  parece a resposta mais evidente. Apesar de haver uma propensão de músicos, em geral, serem filhos e netos de músicos, conheço uma miríade deles que são descendentes de indivíduos incapazes de identificar a diferença entre um dó e um mugido de vaca. E mesmo assim se tornam excelentes músicos, como uma geração espontânea.

Não é necessário, aliás, qualquer tipo de instrumento pra se tornar músico. Com a óbvia exceção dos cantores, que já trazem da natureza a seu próprio instrumento, seria justo dizer que não há flautista sem flauta ou baterista sem bateria. Mas há: certa vez notei, em um acampamento na selva amazônica, um dos guias tocar as cordas da rede de dormir com enorme destreza como se fosse um baixo Fender, enquanto um outro solava um trombone imaginário, com direito a dancinha e tudo. Havia ritmo, melodia, harmonia, tudo, ainda que limitado ao possível naquelas circunstâncias.

Há também uma característica intrínseca aos músicos: a excentricidade. É o dilema Tostines: será que se tornam músicos por serem excêntricos ou é a excentricidade que os torna músicos? Pegue qualquer músico- mesmo aquele engravatado da orquestra sinfônica da sua cidade - e a excentricidade estará lá. Não falha. Pode estar escondida, mas estará lá pra eclodir ao menor estímulo.

Músico de verdade ouve o mundo de forma diferente. Há aqueles com o chamado ouvido absoluto:   - Tá ouvindo o trem? Fá sustenido puro! Isso para um leigo é demais, simplesmente não dá pra compreender. E quando eles riem sozinhos? Estarão rindo da genialidade própria, de um erro grosseiro não detectado pela massa ignorante ou de simplesmente ter pulado uma parte da música pra adiantar o final do expediente? Vai saber.

Para os pobres mortais não dotados de  habilidades musicais,  resta  o desejo de ser presenteado na próxima encarnação com esse algo mais.  Nem que seja só pra humilhar o vizinho do lado ou impressionar a gatinha do 320.  Já me imagino argumentando no departamento celestial da liberação de talentos natos (DECELITANA): -Chefia, o que eu queria mesmo é ter o talento do Ray Charles com a cara do Marlon Brando. Bem básico, é só apertar estes botões aí.  E cuidado pra não confundir e me soltar lá com a musicalidade do Marlon Brando e a cara do Ray Charles. Pelo amor de Deus!

(Estive afastado por um longo período, fruto de um misto de pouco tempo com muita preguiça. Abraço pra vocês. Prometo ser mais regular por aqui).



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